sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Atores: da Grécia à Modernidade

Na quarta-feira passada, durante a aula de teatro do professor André Mattos, refletimos sobre a responsabilidade do ator na construção da cena.  Dedé falou da importância da atitude: para desenvolver a pesquisa que faz o ator entender o personagem e seu contexto e que faz o ator não se comportar como um robô que simplesmente executa comandos. Ele criticou os atores que querem tão somente aparecer, sem investir tempo e energia necessários para que o personagem seja marcante, tanto para a vida dos espectadores como para quem o interpreta.

Depois Dedé nos presenteou com uma palestra da Dina Moscovici, uma professora faz parte da história do Tablado. Ela começou falando da missão dessa escola de teatro: formar gente. Segundo ela, qualquer pessoa é capaz de decorar um texto, mas ser ator é algo maior.

Dina nos contou um pouco de sua trajetória, lembrando que na juventude, foi estudar economia em Paris, mas acabou ingressando na mais importante escola de cinema. Foi na França que ela conheceu  Maria Clara Machado em um testes de elenco. Pouco depois ela  decidiu ingresssar na carreira de atriz.

Como estamos imersos no universo de Nelson Rodrigues, montando cenas, adaptando crônicas e pesquisando sobre a vida desse inquietante dramaturgo, Dedé queria que compreendessemos o universo das tragédias gregas e por isso trouxe Dina, que é especialista no tema.

Dina iniciou sua exposição peloo elemento central do teatro que é o conflito. Sem conflito, não existe o teatro, mas esse conflito ganha novas características com o contexto histórico. A tragédia é uma forma de teatro, da época dos gregos, século V, antes de Cristo, quando a sociedade era palaciana: o palácio era o centro, o poder era centralizado no rei. A tragédia grega contava a história do povo, de forma épica e o conflito da tragédia é a intervenção dos deuses no destino dos homens. Nas histórias, deuses coabitam com os homens, intervindo nos destino dos humanos. Como os deuses governavam, eram eles quem determinando o destino fatal dos homens. Édipo, por exemplo, não escolheu ser insestuoso, mas estava pre-determinado. Ela também trabalhou o conceito de hybris, explicando que o homem do mundo grego era castigado todas as vezes que não respeitar os limites definidos pelos deuses. Os personagens que possuiam um poder especial, como desvendar enígmas caíam na hybris porque tentavam se igualar aos deuses. Na trabédia grega, o conhecimento é mágico e os mitos tornam o mundo material tangível.

Ela nos contou que até hoje a sociedade revive lições desse período. Um exemplo é o uso do tapete vermelho, uma honraria que até hoje é usada para dignificar os famosos, como aconteceu recentemente no festival de Cinema do Rio.

Aprendi com Dina que Édipo foi um marco porque, através dele, pela primeira vez o homem se assumiu como homem dando conta de sua liberdade: Édipo se adianta ao destino, perfurando os próprios olhos.

Dina nos motivou a estudar a Mitologia Grega destacando a riqueza de conhecimentos que pode ser obtida através da Odisséia, principalmente para o leitor que vai ao encontro do que as palavras querem dizer. Ela também explicou que na tragédia, a oratória simboliza a briga pelo poder, uma vez que a palavra dá a possibilidade do diálogo. Nas tragédias, o despojamento caracteriza a ação cênica, sendo o oposto do naturalismo, por isso os atores usavam máscaras e grandes plataformas. As cenas, que mostram os conflitos entre deuses trazem poucos objetos e revelam a submissão do homem diante do não saber.

Dina não acredita ser possível fazer teatro grego. É possível apenas estudá-lo e a inspiração, resultante dessa pesquisa, pode trazer a tragédia grega para o palco.

Dina também nos remeteu para outros períodos históricos. Na idade média, Deus passa a ser único e não habita com os homens. Nesse período, o teatro passou a reproduzir a vida do filho de Deus, contando e recontando a paixão de Jesus. Os altos sacramentais expostos nas igrejas exemplificam essa representação. No renascimento marcou o descobrimento do homem como indivíduo: cada olhar ou gesto representados buscavam captar diferenças que trariam a marca do sujeito. Na modernidade, a vida já não se passava no palácio e o homem moderno estava definitivamente abandonado pelos deuses. Ele se viu diferente e os desejos trazem conflitos. O conflito deixou de ser entre homens e deuses e passou  a ser entre indivíduos. Agora, vários cenários passaram a ser necessários no palco para representar esse homem cuja vida se passa em pequenos capítulos. Hamlet, por exemplo, ora está na festa da família, ora na alcova com a mãe, ora evocando  o pai. A astúcia do diálogo é a marca do teatro moderno, ou seja, aquilo que realmente está sendo dito, apesar das palavras. "Ser ou não ser, eis a questão", com essa frase Hamlet mostra que o homem sabe tudo mas não sabe o essencial. Dina defende que cada personagem deve ser tratado com a mesma importância. Na modernidade, o destino do homem já não é ditado por deuses e essa indeterminação torna o homem moderno singular e irresponsável.

Dina nos contou que Sartre achava que a marca do homem moderno é a má fé, uma vez que ele diz mentiras e exige que os amigos reforcem essa mentira. Para Sartre, ser livre é não coincidir-se consigo mesmo pois não existe  a possibilidade de não se envolver porque a abstenção também é uma escolha.  Como não há verdade sem engajamento, banalisar um trabalho é banalizar a própria vida. Para ela, não se interessar pelas obras de teatro é não dignificar o próprio trabalho.

Dina nos fez pensar que o palco é um lugar sagrado, onde a síntese da vida de diversas gerações acontece e que nessa atividade a indecisão supera a resposta. Assim como o autor quer dizer muito mais do que está escrito, o ator também pode dizer muito mais quando está em cena, quando permite que a história de vida dele penetre nas situações da cena.

Dina nos contou que o exercício da semente é repetido no mundo todo porque usa um objeto intermediário, a semente, permitindo que o sujeito experimente pensar nas suas origens e histórias que interferem na sua maneira de representar. Na nossa contemporaneidade, a vivência do ator passa a ser fundamental. O ator se identificava com o personagem e o público se identificar com o personagem vivido. Essa fusão promove o paroxismos do público que extravasa suas emoções enquanto assiste o espetáculo.

Dina também citou Stanislavisky que desejava entrar na alma do personagem, construindo um passado para ele, do mesmo modo em que os expressionistas buscavam a decomposição das cenas que pintavam.

Outro autor citado foi Bertolt Brecht que defendia que não basta conhecer o personagem, mas compreender a circunstância vivida pelo personagem, como os acontecimentos politicos e a posição geográfica onde acontece a cena. O teatro épico de Brecht faz o espectador sair dilacerado ao mostrar que tudo que acontece no mundo não deve ser visto como natural e isso chega na profundidade de cada homem do mesmo motivo que faz o cavalo de Maria Clara Machado ser azul: dentro dela ele era azul.


Fiquei curiosíssima para conhecer o curso de improvisação de Dina, chamado "Aqui e Agora", um teatro que é feito na hora e que propõe estímulos para fazer psicodrama. Com esse trabalho, ela espera atingir aqueles que se propõem, através do teatro, enriquecer a vida. Quem sabe eu encontro um tempinho para conferir?




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