domingo, 29 de maio de 2016

Separação de Corpos

Ontem vi um vídeo da Viviane Mosé em que ela dizia em tom de segredo algo que eu nunca tinha parado pra pensar: a palavra em si não significa nada, o que faz sentido é o acordo que se estabelece entre as pessoas que se falam. É isso: você pode dizer a mesma coisa pra uma pessoa que te admira e para uma pessoa que não te suporta e o que você disse pra pessoa que te admira chega como um alento, uma resposta uma luz, enquanto que aquilo que você fala para uma pessoa que não te suporta chega como escracho. O que diferencia essa interpretação é o acordo pré-estabelecido. 




A árdua tarefa de um advogado de família é promover esse acordo: acordo onde não existe mais a predisposição para diálogo. É muito triste pensar que não resta sequer o diálogo entre pessoas que um dia foram tão íntimas. As vezes a ponto de gerar outra vida que carrega o nariz do pai, a boca da mãe...




Eu gosto de pensar no casamento com o imaginário de uma só carne: para mim isso é absolutamente poético e revolucionário. Como pode dois seres tão diferentes se tornarem um só ser? Há casais que fazem isso com tamanha maestria que você não sabe onde começa um e onde termina o outro: não porque um subjuga ou domina o outro mas porque existe uma articulação perfeita entre as partes de um corpo que carrega duas cabeças pensantes capazes de negociar como um coração faz com suas cavidades. Os pares dessas cavidades não batem ao mesmo tempo: uma espera a outra - quando uma atua a outra relaxa e se deixa encher... Nenhuma das partes precisa dizer vai é sua vez: há um acordo ali estabelecendo a hora de trabalhar para esguichar a vida e o momento de relaxar e aproveitar o descanso. 




Do mesmo modo, na rotina do dia a dia, os acordos se estabelecem: eu lavo a louça e você cozinha; hoje vou usar uma roupa íntima especial e o outro entende: serei o melhor amante do mundo! Ou quem sabe um diz não ao filho e o outro não o desautoriza, ainda que não concorde: porque há ali um acordo, uma sincronia, uma perfeita articulação engendrada. Em outra situação você foi demitido, está arrasado, mas ouve: não se esqueça que eu estou aqui para o que der e vier! E assim, esses casais fundidos em uma só carne seguem e envelhecem juntos despertando admiração e outros sentimentos menos nobres.

Mas há situações em que uma das cabeças resolve que não quer mais fazer parte daquele corpo e isso pode ser extremamente traumático pra outra cabeça. Quanto mais intensa era a união, mais dolorida é complexa é a separação. Não é pelo faqueiro, nem pelo cachorro, nem pela fazenda e nem mesmo pelos filhos que os casais separados brigam, mas pela quebra do acordo que os unia. Na tentativa de restabelecer essa capacidade de diálogo, há advogados que conseguem reatar corpos dilacerados. Há os que ao menos conseguem repaginar os vínculos: amigos? Talvez nem tanto, mas há um respeito vindo à tona. Infelizmente há também os representantes da lei que querem incrementar  ainda mais os prejuízos. Para esses, quanto pior, melhor. Nesses casos, os filhos sofrem ainda mais. Ninguém se entende. Não há palavra que soe bem. E quando não há palavra, nem sintonia, nem respeito... O que sobra são restos de corpos que um dia formavam uma família.