quinta-feira, 12 de março de 2009

À procura de um editor para Newton Santos

Meu sogro escreve muito, pena que ele tenha um número tão limitado de leitores! Eis um conto dele que trago para compartilhar com vocês, na esperança de que mais pessoas tenham acesso ao talento raro do avô mais habilidoso que eu poderia dar para a minha filha.



FASE BRANCA


Caramba, que mão de obra.Vários dias pintando um apartamento.Sem alimentação,sensação de fraqueza,.tonteiras;o cheiro intoxicante da tinta, água da bica para beber.O corpo coberto de respingos de tinta absorvia e repassava ao organismo um reforço de malefícios.


Paradas,banhos,idas aos comerciantes do ramo,despesas,transporte de peso,preparo das tintas... Reinício, sofrimento,dor muscular,o pescoço endurecido de tanto mirar o teto e paredes,a monotonia do padrão , a sensação estranha aos sentidos por olhar para algo que,sem um referencial,ficava difícil de avaliar quão distante estava.É como olhar com um só olho,perde-se a noção de profundidade,gerando mal estar... esforço imenso para prosseguir.



Não era pintor, era um técnico em uma área bastante distinta.Respeitava,agora mais ainda,os pintores de paredes. Que Deus os abençoe, aos honestos e competentes. Dia após dia a mesma árdua tarefa.Trabalhava lentamente procurando reunir forças. Quando algo não ficava bom, bem, amadorismo é assim mesmo,passava então a consertar ou seja, refazer. Já debilitado pelas condições inadequadas de trabalho e alimentação e pelo esforço envolvido terminou o serviço. Foi uma tarefa bem feita malgrado os fatores que dificultaram a sua execução. Vai começar nova fase mas antes...

Quem diria, ele não acreditava, paredes limpas,tão brancas,quem sabe refletindo a sua própria palidez.

Mas como não fazia sentido tal limpeza contrastando com vidros sujos... Assim uma nova tarefa—limpar todos eles por dentro e por fora. Não eram muitos, nem poucos.

Olhou para o chão de um dos quartos, uma visão desestimulante para qualquer trabalhador mal remunerado. Para alguém destinado a não receber nada a mesma cena poderia ser classificada como paralisante. Não parou. Prateleiras, suportes, persianas, mãos francesas e todas as demais tralhas necessárias para desafiar a lei da gravidade. Projeções mentais, visões espaciais, desgastes físico, mental e visual, acompanhados de outros tantos envolvendo medições sem fim seguidas de retratações às mesmas e outras novas medições,que Deus o ajude, sem novas retratações.

Furos em quantidade, não enganos, furos mesmo, buchas, martelo, parafusos, ferragens, chave de fenda--- a palma da mão com estiramento da pele pelo atrito contra o cabo da chave, vermelhidão, ardência, dor e a garantia, infalível, da formação de bolhas d´água,dolorosas.

Pronto, tudo no lugar, ou quase, incluindo cinco persianas. Posição ingrata para coloca-las, quase a de um artista circence contorsionista.Esforço inaudito para furar a parede dura sem poder bem aplicar o peso do corpo,no alto de uma escada.

Pensava ter usado, em desespero, o peso da mente.

Foram dois quartos, a mesma sina em cada um deles e mais, sala, consertos e instalações na cozinha , banho, luminárias, instalações elétricas, e outras necessidades.

Ah, sim, também um relógio de parede, caixa de madeira em cerejeira com um arranjo de flores desidratadas no mostrador. Bonito, um pouco caro e muito preciso mas não precioso. De presente. Preciosos foram seus empenho, coragem e determinação.


Vitória, após toda a batalha travada por um causa comum, em sua dolorida mão oscilavam, penduradas, as chaves da residência.




Não recebeu sequer uma manifestação de agradecimento pois em seu lugar se fez audível--¨eu queria vir para cá sozinha...—

Anos e anos de dor para ele se passaram, não a dor prima desse relato mas a dor término do mesmo.





Newton Pires Dias dos Santos


Rio, 25 de janeiro 2009.

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