Costumo incentivar os meus alunos a cavar oportunidades de estágio, de preferência, assim que entrarem para a faculdade. Eu comecei um pouco antes porque fiz um curso técnico no ensino médio e uma das obrigações do curso era cumprir horas de estágio. Ao buscar um lugar para as primeiras experiências profissionais, fui selecionada para fazer parte do grupo de estagiários da Fundação Ezequiel Dias, no laboratório de biomédicas. Aquele universo para mim era mágico e me impressionava a diversidade de estilos de cientistas do laboratório: desejei ser um deles e foi lá que decidi fazer biologia e comecei a gostar dessa história de estágio.
Claro que eu tinha um amparo familiar e muita criatividade para que pudesse sobreviver ganhando apenas a bolsa-pochete. Lembro-me que o valor era exatamente o que eu pagava na escola, mas eu me virava vendendo camisetas, broches e outras bugingangas para os caprichos extras que toda adolescente merece.
Eu já tinha uma profissão quando entrei na faculdade: trabalhava no hospital Belo Horizonte como técnica no laboratório de parasitologia. Foi lá que descobri que o projeto Tamar oferecia vagas para estágios e não pensei duas vezes: pedi demissão no laboratório e embarquei nas férias para Povoação, E.S. Esse foi o estágio mais escravo da minha vida. Naquela época, o TAMAR não custeava absolutamente nada para seus estagiários: um absurdo que eu espero que tenha mudado. Até as refeições dos estagiários haviam sido cortadas pouco antes do meu estágio começar. Tenho uma foto linda de uma canoa repleta de frutas: presentes dos pescadores locais que sabiam do perrengue que os estagiários do Tamar encaravam, pelo amor às tartarugas. No Tamar, aprendi muito com um pescador carebeiro que era o vigia da base onde eu fiquei. Aprendi muito também com a moça que trabalhava na base e descobri que a grande sacada do projeto foi envolver a comunidade local. Com tantas descobertas, valeu a ralação: abrir milhares de ovos gorados, pintar inúmeras placas, acordar de madrugada para medir a temperatura dos ninhos e levar as tartaruguinhas para o mar: tarefa predileta não fosse o medo de estar sozinha em uma praia deserta.
Depois fiz um estágio no Instituto René Rachou em BH em um laboratório que criava mosquitos para testar substâncias naturais que pudessem atuar como inseticidas. Terminar o expediente com os braços inchados pelas picadas dos mosquitos não era muito agradável, por isso não tenho as melhores lembranças dessa época. Exceto as imagens de uma bióloga chamada Esther que me ensinava pacientemente a trabalhar com o método científico: incentivando para que eu tivesse o máximo de atenção, procurando adotar critérios rígidos e elaborar relatórios bem escritos e claros.
Outro local onde eu recebi uma atenção vip, embora fosse mera estagiária, foi o Parque Estadual do Rio Doce. Lá o administrador me disse que eu poderia escolher o que eu gostaria de fazer. Optei por seguir os alunos do curso de mestrado em Ecologia da UFMG que estavam usando o parque para coleta de dados em campo. Pude ver de perto como atuam profissionais que pesquisam animais silvestres como onça e barbado e acompanhar o trabalho de um grupo de limnólogos. Depois pude acompanhar o trabalho administrativo. A única exigência desse estágio foi a elaboração de um relatório no final do estágio: nem precisa dizer o quanto me empenhei nessa tarefa. Adoraria reler esse documento para lembrar de detalhes desse estágio, que certamente foi o melhor de todos.
Vida de estagiario não é mole. Algumas iniciativas contemporâneas buscam aliviar um pouco do sofrimento desses profissionais e pode ser que a galera hoje encontre melhores condições de trabalho. Mas o período de estágio ampliou os horizontes profissionais: a biologia não seria a mesma sem aquela ralação. É por isso que defendo que meus alunos experimentem e torço para que encontrem orientadores competentes e solidários.
sexta-feira, 1 de maio de 2009
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