Os organizadores do É Tudo Verdade não poderiam ter escolhido documentário melhor para abrir o festival desse ano: Segredos da Tribo de José Padilha. Pelo menos para quem, como eu, considera cara a temática indígena. Mesmo tendo assistido outros filmes sobre a tribo Ianomami, fiquei chocada com o que vi. Padilha não se limita em mostrar belas imagens do "bom selvagem" e usar aquele velho discurso simplório de uma tribo isolada que foi contaminada pelo homem branco. Padilha responsabiliza, cita nomes, mostra as caras. O documentário faz pensar nos limites da ciência, lança lenha na fogueira da vaidade da academia e denuncia atos criminosos cometidos em nome da ciência.
Embora Padilha tenha paixão pela ciência, ele aprendeu encará-la de forma crítica e reconhece a fragilidade metodológica usada por antropólogos que trabalharam com os Ianomamis. Nesse projeto ele aprendeu o quanto os cientistas podem cometer equívocos ao focar em um único paradigma. Para Napoleon Chagnon, por exemplo, a tribo era violenta. Já para o francês Jacques Lizot, os índios eram atletas sexuais.
O filme levanta questões: porque a visão de um cientista sobre um povo desconhecido é recebida pela sociedade como um dogma? Como tais cientistas são enviados para uma tribo, sem uma percepção clara da índole esses sujeitos? Se o "enviado" for um pedófilo e se for dado a ele alto poder de barganha entre os índios, tal poder poderá gerar grande sofrimento e marcar para sempre as crianças que ele abusar. O filme revela que o prestígio e o dinheiro que os antropólogos receberam, através da venda de livros ou do reconhecimento acadêmico concedeu tamanho poder que os índios entregavam suas crianças e seus próprios corpos como laboratórios humanos. Profissionais enviados para proteger e difundir a cultura indígena podem abusar do índio, conhecendo e tirando proveito das vulnerabilidades de seu povo, principalmente da pobreza que lhe é peculiar. Ao ouvir o depoimento dos índios só pude lastimar: a negligência dos governos brasileiro e venezuelano, a cegueira das instituições religiosas e educacionais que ofereceram legitimidade irrestrita aos cientistas, a deficiência de fiscalização das agências financiadoras e a sociedade que cria deuses do saber, reverenciando-os cegamente.
sábado, 10 de abril de 2010
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