sábado, 6 de fevereiro de 2010

Peitos abençoados

Durante o passeio na Jardineira de Tiradentes, passamos pelo Largo do Ó e paramos no "Ó Barroco, um belíssimo espaço que expõe e vende obras do Barroco contemporâneo, além de servir como centro de visitação e pesquisa. Foi ali que descobri que "Ó" era a reação que os fiéis costumavam ter ao observar a santa Maria grávida. Ali também descobri que havia outra imagem que trazia ainda mais inquietação: a de Maria amamentando. Como esse tema é caríssimo para mim, pedi para descer e conhecer a representação, mas a Jardineira precisava partir e eu teria que esperar até o dia seguinte. 


Ao voltar ao "Ó Barroco", conheci a simpática Roseli Santaella Stella, historiadora e curadora do espaço que apresenta belíssimas peças em cedro rosa, do escultor Hélio Petrus. Roseli me contou que no passado recebeu representações da santa do leite, mas naquele dia não havia nenhum exemplar no espaço. Isso não impediu que ela me ensinasse várias coisas sobre a Maria que amamenta e sobre o Barroco.
Roseli lembrou que o Barroco foi uma estratégia proposta pela igreja católica a fim de recuperar os fiéis perdidos na reforma protestante. Ela mostrou alguns elementos, como o movimento das roupas, a expressão de êxtase profundo nos santos e nas virgens - indícios de que os artistas tiveram grande liberdade de expressão. Mas nem todas as propostas dos artistas barrocos foram facilmente aceitas: para os valores da época, uma mulher, considerada santa, oferecendo o peito para uma criança era um escândalo!



























 
Com paciência, Roseli foi me contando sobre a Nossa Senhora do Leite e pela internet me apresentou algumas obras, como a Madona Litta de Leonardo da Vinci, exposta no Museu de Leningrado.


Descobri que uma gruta em Belém guarda uma das imagens mais antigas da santa e que as pessoas costumam raspar as pedras dessa gruta e misturar ao leite porque acreditam que tais pedras são poderosas. Ela me falou também de uma Nossa Senhora do Leite em Salvador. No blog Caminhos Trilhado de Camila Marinho encontrei essa santa:

Nesse blog descobri que durante a inquisição a devoção por essa santa foi proibida. Será que é porque ela representa rebeldia: uma mulher que não teme se mostrar? Quando olho para ela, penso que nada a pode deter naquele momento glorioso!
O que mais chama atenção nessas iconografias é o semblante de gozo de Maria. Considerando que o hormônio promotor da liberação do leite é o mesmo hormônio liberado quando fazemos amor, a ocitocina, a reação de Maria é realista. Talvez por isso incomode tanto, inclusive as mulheres que não aceitam com naturalidade sentir prazer enquanto amamentam. Como se esse orgasmo fosse pecado, ilegal ou imoral.


Ao chegar em casa, fui procurar outras representações e encontrei coisas muito legais, como essa gravura de Ronaldo Mendes:

Essa imagem me faz pensar nas mulheres comuns que amamentas. Ela é quase uma santa e encara uma luta diária para seguir oferecendo o abençoado alimento ao seu, ou seus, anjos.

Graças à ela, a família economiza  e recebe um novo membro mais saudável, emocionalmente inclusive. Por isso, ela merece reverência e apoio.

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